Luiz Mott: o ativista que deu a cara a tapa pelo fim da cura gay no Brasil

Luta do então presidente do Grupo Gay da Bahia fez o Brasil ser o primeiro do mundo a vetar essa prática

Publicado em 22/03/2021
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Antropológo desencadeou e foi líder de ação que levou a uma das maiores conquistas arco-íris do País

Uma denúncia, uma luta, um marco mundial! Essa foi resumidamente a trajetória de uma das maiores conquistas para a cidadania homo e bissexual no Brasil: a proibição das terapias de conversão também conhecidas como "cura gay".

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Em 22 de março de 1999, o Conselho Federal de Psicologia publicava a Resolução nº 001/99, que estabelecia "normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual".

Com a regra, o País tornava-se o primeiro do mundo a vetar aquela prática. 

Mas o exemplo nacional ainda não se refletiu pelo planeta. Enquanto a comunidade arco-íris brasileira celebra 22 anos de regra que protege sua integridade psicológica e social, apenas outros dois países têm regras similares: Equador, a partir de 2014, e Malta, em 2016

O grande responsável
Nas redes sociais, muitas vezes, é colocada a questão sobre quem foi a linha de frente da luta pelos direitos LGBT.

As loas no caso do veto no Brasil à terapia de conversão devem ir principalmente a um lutador que, como se diz, deu a cara a tapa: o antropológo Luiz Mott.

Dono de possivelmente do maior arquivo histórico do ativismo homossexual no País, o presidente emérito do Grupo Gay da Bahia (GGB) lembra de como foi iniciada essa jornada. 

"Em 11 de julho de 1998, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem intitulada 'Encontro em Minas quer 'curar' homossexuais', em Viçosa, Minas Gerais", lembrou Mott ao Guia Gay. 

Tratava-se do III Encontro Cristão sobre Homossexualidade – realizado em 1998, com a colaboração do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos.

Como tentativa de frear essa prática, Mott comunicou o Conselho Federal de Psicologia, instância máxima de regulamentação do exercício profissional na área, a respeito desses eventos, muitos deles envolvidos em torturas físicas e psicológicas.

O documento enviado ao órgão era acompanhado de relatos coletados pelo ativista de pessoas que tinham passado por tais centros de 'cura'. 

Ana Bock, então presidente daquele conselho, em artigo de 2010, lembrou o início dessa caminhada. 

"Recebemos mensagem do Movimento Gay da Bahia, em que seu presidente, Luiz Mott, nos enviava anúncio de um evento religioso que ocorreria em Minas Gerais propondo-se a 'curar' gays com ajuda de um profissional psicológo. Mott solicitava providências nossas. Nós nos demos conta de que não possuíamos nenhum instrumento que afirmasse a proibição desse tipo de atuação profissional."

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Notícia no jornal O Estado de S. Paulo de 23 de março de 1999

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), fundada em 1995, em Curitiba, também foi parte importante para mostrar à classe da psicologia a importância de impedir as teraprias de conversão. "Mas a liderança foi de Mott", afirmou Toni Reis, presidente da ONG à epoca. 

Para dar resposta à questão, foi constituído comitê específico de estudos dentro do conselho. Eis que em poucos meses, aos 22 de março de 1999, foi publicada a resolução.

Ana lembra da repercussão.

"A resolução foi traduzida para o espanhol, francês e inglês. Fomos convidados pela Associação Americana de Psicologia para evento na Califórnia, recebemos cumprimentos de entidades de outros países da América Latina e da Europa. Tenho orgulho de ver minha assinatura na resolução!"

História estava sendo feita! Estudo realizado por Henrique Araujo Aragusuku e Maria Fernanda Aguilar Lara destaca que a norma inaugurou e deu base para o debate sobre LGBT no Brasil em outros coletivos profissionais.

"A Resolução nº 01/99 foi a primeira ação efetiva do conselho em torno desta temática, legitimando a ampliação da cidadania para homossexuais e o combate à discriminação. Tal medida, certamente, provocou profundas modificações nas relações do Sistema de Conselhos com as demandas levantadas por grupos de afirmação de direitos sexuais."

Em 2018, foi a vez de outra importante decisão da classe psicológica: proibiu-se aí as terapias de conversão de travestis e transexuais. 

Tal como a norma de 1999, profissionais de psicologia podem até perder o diploma caso participem dessas práticas e, em debates, por exemplo, inclusive na mídia, afirmem que uma pessoa LGBT é doente ou que se pode mudar a identidade de gênero ou orientação sexual por meio de tratamento.  

Pessoas religiosas não ficaram apenas assistindo essa garantia cidadã. Houve forte atuação da bancada religiosa no Congresso Nacional para tirar do conselho a capacidade de vetar as terapias de conversão.

A sanha também incluiu a Justiça. Em primeira instância, coletivo de profissionais de psicologia com ligação religiosa conseguiu decisão para anular a norma contra a "cura gay". Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, em 2020, frustou a tentativa e reafirmou: o Brasil continuará a dizer não às terapias de conversão.


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