Viúvo de Gilberto Braga (1945-2021), o decorador Edgar Moura Brasil criticou a adaptação feita por Manuela Dias, de sua obra-prima, Vale Tudo.
No ar em suas últimas semanas na TV Globo, o remake foi amplamente reprovado desde sua estreia por grande parte do público e da crítica.
Na semana passada, Edgar usou uma fala da vilã Odete Roitman (Debora Bloch) para desqualificar Manuela.
"Manuela Dias não teve lastro nem intimidade intelectual para fazer um remake da monta de Gilberto Braga", postou o decorador.
À coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo, Edgar, que viveu por quase 50 anos com Braga, destacou pontos em que detestou no folhetim atual.
"Fico triste em ver que a proposta original de Vale Tudo, [a reflexão] "vale a pena ser honesto no Brail" se perdeu, junto com as qualidades de dramaturgia da novela, coerência nos personagens, profundidade nos diálogos etc. O tema proposta pelos autores Gilberto, Aguinaldo [Silva] e Leonor [Basséres] continua super atual, muita gente continua a pensar em tirar vantagem em tudo, basta ver os recentes escândalos do INSS, falsificação de bebidas e daí por diante...", afirmou.
Questionado o que dramaturgo acharia da novela se fosse vivo, Edgar respondeu: "Acho que Gilberto não teria gostado nada. Gilberto era um profundo conhecedor do ser humano, um homem culto e de bom gosto. Jamais teria construído personagens tão tacanhos e incoerentes. A pior alteração foi a Odete Roitman, personagem tão rica ter virado uma pessoa louca, inconsequente, atirando e tentando envenenar as pessoas, virando praticamente uma serial killer ninfomaníaca."
Ele continua: "A adaptora [Manuela Dias] se justifica dizendo que humanizou a personagem, mas acredito que ela não tenha nenhuma ideia do que seja uma humanização. A Odete Roitman criada por Gilberto, Aguinaldo e Leonor era humana o suficiente para dentro de sua maldade. Ela se preocupava com os filhos e com a família e jamais deixaria um filho morrer para esconder um crime do passado. Menos ainda colocaria um filho deficiente morando em uma choupana no meio do mato. Ela teria recursos suficientes para mandá-lo para a Suíça ou para qualquer outro lugar milionário, que o tratasse com dignidade, bem longe da família, se essa era sua intenção. Humanizar uma personagem não é emburrecê-la."
Para o decorador, a nova Vale Tudo não respeitou a obra original. "Ao contrário, foi destruída. Seria tão simples ter atualizado, colocado situações atuais. Vale Tudo original foi uma novela fantástica. Diálogos primorosos, personagens bem trabalhados, humanos e nada maniqueístas."
Perguntando se via algo de positivo no remake, ele disse que não.
"Não consigo ver nada de positivo, a não ser provar que o nível das novelas atuais é infinitamente inferior às que foram produzidas nas décadas passadas. E isso não é nostalgia, é uma constatação."
Para encerrar, Edgar listou o que faltou à autora. "Pessoalmente acho que faltou talento, humildade perante a obra, elegância nos diálogos, refinamento na psicologia dos personagens e, principalmente, falta de conhecimento dos grandes clássicos da literatura, do cinema e também das novelas."